Devocional

Um evangelho de relacionamentos

Professora clínica associada de psicologia de aconselhamento

4 de maio de 2004

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Quando aprendemos a amar uns aos outros e a respeitar nossas diferentes habilidades, nós nos preparamos para viver em uma ordem celestial. Cada pessoa edifica a outra, e então o todo pode se tornar uma sociedade de Sião.


Pretendemos modificar a tradução se for necessário. Para dar sugestões, envie um e-mail para: speeches.por@byu.edu

Sou muito grata por minha afiliação a esta universidade. Cinco de meus filhos também gostaram de frequentar a BYU. Lembro-me que um deles percebeu repentinamente mudanças em sua vida depois que entrou na BYU após servir como missionário. Ele havia namorado no ensino médio e se divertiu muito com diversas garotas. Depois de sua missão, ele voltou a namorar e esperava o mesmo tipo de diversão casual. Entretanto, ele voltou de seu primeiro encontro pós-missão um pouco pálido e abalado. Quando perguntei sobre o encontro, ele respondeu: “Não se trata apenas de diversão do jeito que era no ensino médio. Essas mulheres não estão de brincadeira”. Não, vocês não estão de brincadeira nessa fase da vida. Isso é a realidade.

Seus anos como jovens adultos estabelecem a base para seu futuro. Mudanças em relacionamentos são um de seus desafios mais significativos. Sair de casa e do ambiente familiar, morar com colegas de quarto, fazer novos amigos e estabelecer hábitos de relacionamento para futuramente se casar e construir sua própria família são desafios que se tornam muito reais. Os relacionamentos formam a própria base do evangelho de Jesus Cristo. Cristo ensinou que todas as leis do evangelho são dependentes de nossa capacidade de amar a Deus e ao próximo (Mateus 22: 37-40). Todas as leis de Deus são, no fim, leis de amor. Cada mandamento é dado por amor e preocupação com sua felicidade. Por fim, cada mandamento testa sua capacidade de amar a Deus e ao próximo.

Assim como Deus tem um evangelho de relacionamentos, Satanás propõe princípios falsos que acabam levando à destruição dos mesmos, tanto com Deus quanto com os outros. Deus os ensina a amar ao próximo e a aprender a viver em uma sociedade de Sião. Satanás incentiva a inveja, a competição e os julgamentos não caridosos. Isso os impede de se sentirem próximos e conectados uns aos outros. Deus ensina o progresso eterno e a fé na Expiação, enquanto Satanás ensina sua versão falsificada – o perfeccionismo – que destrói sua confiança em si mesmos e nos outros. Deus ensina o casamento eterno, onde o amor dura para sempre. Satanás incentiva relacionamentos egoístas que terminam assim que se tornam inconvenientes. Gostaria de discutir esses três princípios e suas falsificações no contexto do que aprendi sobre relacionamentos com o evangelho de Jesus Cristo, meu trabalho como psicóloga clínica e 34 anos de um casamento feliz.

Certa vez, levei meu netinho a um restaurante de frutos do mar. O restaurante tinha um grande tanque cheio de lagostas vivas. Meu neto observava com admiração enquanto as lagostas se moviam no tanque, aparentemente alheias ao fato de que logo seriam escolhidas para se tornarem o jantar de alguém. Meu neto ficou observando por um tempo, fascinado, e então me perguntou: “O tanque não tem tampa e não é muito fundo. Por que as lagostas não saem e vão para casa? Assim, ninguém comeria elas”. Ficamos observando por mais alguns minutos, e então notei um fenômeno curioso. Se uma lagosta começasse a tentar sair do tanque, as outras a agarravam, puxavam, ou a empurravam para fazer com que voltasse ao tanque. Nenhuma delas conseguia escapar e “voltar para casa” porque estavam todas muito ocupadas puxando umas às outras de volta ao tanque. Fiquei imaginando o que aconteceria se elas descobrissem que, caso ajudassem umas às outras, talvez não houvesse mais lagosta no cardápio daquele restaurante.

Às vezes, as pessoas se comportam como aquelas lagostas. Se uma delas consegue avançar um pouco ou parece ter descoberto um caminho para a segurança, as outras se apressam a puxá-la de volta e, assim, ninguém escapa. Por que as pessoas fazem isso? Seria por inveja?

Olhem ao seu redor. Observem o quanto as pessoas são diferentes. Elas são diferentes não apenas na aparência, mas também em suas personalidades, experiências de vida, desafios mortais e missões aqui na Terra. Quando percebemos tais diferenças, podemos sentir inveja dos outros. No entanto, as escrituras ensinam que há motivos para nossas diferenças. Aprendemos com as escrituras que “a todos não são dados todos os dons;” (D&C 46:11). Todos nós recebemos fraquezas para nos ensinar humildade e compaixão (1 Coríntios 1:27, 2 Coríntios 12:10, Éter 12:27). Também somos diferentes para que cada um de nós possa ter algo com que contribuir e alguma forma de sentir-se parte do todo (1 Coríntios 12:14-22, 25, 26). Quando aprendemos a amar uns aos outros e a respeitar nossas diferentes habilidades, nós nos preparamos para viver em uma ordem celestial. Cada pessoa edifica a outra, e então o todo pode se tornar uma sociedade de Sião.

Deus nos ensina a amar uns aos outros e, ainda assim, vocês podem se deparar com sentimentos e pensamentos que não são exatamente amáveis. Às vezes, é um desafio deixarmos de ser invejosos e de julgar erroneamente uns aos outros. Todos nós vemos “por [um] espelho, em enigma” (1 Coríntios 13:12). Nossa experiência pessoal é limitada. Muitas vezes é fácil olhar para a situação de outra pessoa e acreditar que vemos o todo quando, na verdade, não vemos. É fácil, então, acreditar que podemos “operar a salvação de outra pessoa” porque nós sabemos o que há de errado em sua vida. No entanto, nem sempre conhecemos os desafios, as tristezas e as decepções particulares de outra pessoa. Ainda mais importante, não conhecemos o plano específico de Deus para a vida dessa pessoa e podemos correr o risco de prescrever as soluções erradas. Quando julgamos com falta de caridade e tentamos prescrever soluções para a vida de outras pessoas, corremos o risco de falar contra a vontade do Senhor para essa pessoa.

Deixe-me ilustrar isso com um exemplo. Eis um par de óculos que foi receitado para mim. O oftalmologista fez um exame cuidadoso de meus olhos e descobriu que eu precisava atender a algumas necessidades específicas para enxergar corretamente. Esses óculos são bifocais. Eles também são especialmente ajustados para uma prescrição que é -11 em um olho e -13 no outro (segundo o sistema de prescrição americana). Suspeito que há poucas pessoas nesta congregação que enxergariam bem com esses óculos. Pensem como seria se eu insistisse que vocês usassem meus óculos todos os dias para fazer seu trabalho. Eles funcionam muito bem para mim, mas e se eu presumisse que eles também seriam perfeitos para vocês e lhes impusesse essa solução? Vocês se sentiriam infelizes e provavelmente ficariam ressentidos por eu ter lhes forçado a receita errada. Ainda mais importante, com minha receita, não poderiam fazer o trabalho que cabe somente a vocês fazerem. Deus é quem deve ajustar a receita para cada um de nós. Somente Ele tem o conhecimento e a sabedoria para compreender nossas necessidades específicas. 

Como Ele revela Sua vontade a um indivíduo? Um dos maiores dons que vocês têm para operar sua própria salvação é o dom do Espírito Santo. O Espírito Santo pode ajudar cada um de nós a entender o que o Senhor deseja que façamos. O Espírito Santo, no entanto, é como a Liahona de antigamente, pois atua sob a condição de nossa obediência aos mandamentos. Além disso, temos as palavras dos profetas antigos e modernos. Podemos confiar no Espírito Santo para nos ajudar a entender suas palavras no contexto de nossa própria vida. Também podemos receber instruções mais pessoais por meio da frequência ao templo em espírito de oração, das bênçãos patriarcais e das bênçãos adicionais do sacerdócio.

Devemos ter cuidado para não interferir nesses processos espirituais na vida uns dos outros, fofocando, julgando ou dando conselhos não inspirados que possam vir de nossas próprias vivências, preconceitos e pontos cegos, por mais bem-intencionados que sejamos. Um estudo que realizei sobre mulheres SUD e depressão revelou que aquelas que se baseavam em um processo de introspecção espiritual pessoal e depois buscavam respostas e confirmação espiritual do Senhor por meio da oração tinham uma saúde mental melhor do que aquelas que se preocupavam excessivamente com julgamentos, fofocas e avaliações de outras pessoas que não tinham recebido nenhuma autoridade divina para fazê-lo.

Outro motivo pelo qual é difícil escapar da armadilha dos julgamentos não caridosos e da inveja é o fato de vivermos em um mundo que está constantemente nos avaliando e julgando. Muitas oportunidades e avaliações se baseiam em “superar” outra pessoa. O mundo ensina que não temos direito ao auto respeito a menos que sejamos os melhores, tiremos a nota mais alta, sejamos o “número um” ou ganhemos uma competição. Só há espaço no topo para poucos neste mundo telestial. No entanto, vocês não estão aqui para se preparar para viver em um mundo telestial. Vocês estão aqui para aprender como se preparar para obter a glória celestial. No reino celestial, há lugar para todos os que se qualificam. A admissão não é determinada pela vitória em uma corrida competitiva (Eclesiastes 9:11). Todos os que fazem convênios com Deus e os guardam podem se qualificar (Mosias 5:5-9, D&C 25:13-15, D&C 66:2, D&C 97:8). Vocês não precisam ser o mais “ligeiro nem o mais valente”, o mais belo, o mais magro, o mais talentoso nem o mais bem-sucedido. O que Deus requer de cada um de nós é que cumpramos a nossa missão pessoal na Terra e “permaneçamos na corrida” que, no final, culminará com a exaltação e a vida eterna (1 Néfi 22:31, 2 Néfi 31:15, Ômni 1:26).

Quando somos consumidos pela competição, perdemos de vista o que Deus nos concedeu pessoalmente. Quando deixamos de valorizar nossos próprios dons e, ao invés, cobiçamos os dos outros, corremos o risco de perder a oportunidade de magnificar nosso próprio chamado na vida. Não podemos nos elevar à medida plena de nossa própria criação se estivermos continuamente tentando ser outra pessoa.

O segundo par de princípios opostos é o aperfeiçoamento pessoal por meio de Cristo e da Expiação versus o perfeccionismo, a versão fraudulenta de Satanás. A admoestação de Cristo “Sede vós pois perfeitos” não é um mandamento para possuir todas as habilidades, conhecimentos e boas qualidades imediatamente. É um mandamento para entrar em um processo de fazer e guardar convênios que envolve arrependimento, mudança e crescimento. Esse processo depende da Expiação, que torna o arrependimento possível. O Presidente Joseph Fielding Smith esclareceu esse conceito ao dizer,

A salvação não vem de uma só vez; recebemos o mandamento de sermos perfeitos, assim como nosso Pai Celestial é perfeito. Levará muito tempo para atingirmos esse objetivo, pois haverá um progresso maior além da sepultura, e será lá que os fiéis vencerão todas as coisas e receberão todas as coisas, sim, a plenitude da glória do Pai. [Joseph Fielding Smith, Doctrines of Salvation [Doutrinas de Salvação], comp. Bruce R. McConkie, 3 vols. (Salt Lake City: Bookcraft, 1954-56), 2:18]

O profeta Joseph Smith também descreveu o caminho para a perfeição como uma jornada e não como um atributo adquirido na mortalidade. Ele declarou,

“Quando subimos uma escada, somos obrigados a começar de baixo e subir degrau por degrau, até chegar ao alto; o mesmo acontece com os princípios do Evangelho — devemos começar com o primeiro e continuar subindo até que tenhamos aprendido todos os princípios de exaltação. Mas só muito tempo depois de termos passado pelo véu é que os aprenderemos. Não compreenderemos tudo neste mundo; teremos muito trabalho para aprender nossa salvação e exaltação, mesmo depois da morte” (Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph Smith, 2007, p. 280).

Vocês já se perguntaram como o perfeccionismo pode afetar os relacionamentos? Os perfeccionistas experienciam vergonha excessiva por terem fraquezas e cometerem erros. Eles acreditam que só têm valor se obtiverem um desempenho perfeito em tudo o que fizerem. Os perfeccionistas também podem acreditar que as outras pessoas precisam se destacar e ter um bom desempenho em todas as áreas de suas vidas, caso contrário são inadequadas e indignas. Os relacionamentos íntimos nos proporcionam uma visão privilegiada das lutas, sensibilidades e fraquezas uns dos outros. Se vocês exigirem perfeição instantânea de si mesmos ou de outras pessoas, será difícil compartilhar dificuldades e revelar fraquezas por medo de perderem o relacionamento. Assim, não há como oferecer apoio mútuo para superar essas fraquezas e desafios. Alma ensinou nas águas de Mórmon que um dos primeiros convênios do batismo é o de carregar os fardos uns dos outros (Mosias 18:8-10).

Quando podemos discutir abertamente fraquezas e problemas sem medo de rejeição ou ridicularização, podemos criar um “espaço seguro” no relacionamento. Ter a segurança de explorar os problemas em um relacionamento empático e atencioso facilita o tipo de autoexame necessário para que haja mudança e crescimento. Quando vocês conseguem deixar de lado o perfeccionismo, é mais fácil se sentir emocionalmente próximos uns dos outros. Ironicamente, com frequência, mais amamos as pessoas cujas fraquezas e dificuldades nós conhecemos.

Aprender a ter amizades íntimas é uma das melhores maneiras de se preparar para o casamento. Quer tenham ou não a oportunidade de namorar, encontrar um parceiro romântico e se casar nesta fase de sua vida, vocês ainda podem progredir em direção a esta meta aprendendo a ter boas amizades com outras pessoas. Portanto, o terceiro princípio que quero discutir é o plano de Deus para o casamento eterno versus o plano de Satanás para destruir relacionamentos. O amor é às vezes descrito como uma “amizade que pegou fogo”. Aprendam a ser amigos primeiro, como base para um relacionamento. Acrescentem a pedra angular da atração romântica por último. Um relacionamento no qual vocês podem ser amigos e compartilhar pensamentos, sentimentos, crenças, valores, atividades e interesses um com o outro tem mais probabilidade de se manter aceso do que um que compartilha apenas atração física. É nesse relacionamento baseado na amizade e compartilhamento, que a pedra angular da atração pode se tornar uma grande dádiva de Deus. Quando vocês usam essa atração como Deus planejou e a mantêm dentro dos limites que Ele estabeleceu, ela tem a força e o poder de manter a amizade do casamento “acesa” e forjar um vínculo de amor entre um homem e uma mulher que pode durar por toda a eternidade.

Deus os criou à Sua imagem para que se tornassem semelhantes a Ele. O Senhor ensina em revelações dadas nestes últimos dias que um dos propósitos da criação da Terra foi o de proporcionar a oportunidade para o casamento, que nos permite progredir rumo à exaltação. “E também, em verdade vos digo que aquele que proíbe o casamento não é aprovado por Deus, porque o casamento foi instituído por Deus para o homem. Portanto, é legítimo que ele tenha uma esposa e os dois serão uma só carne; e tudo isto para que a Terra cumpra o fim de sua criação;” (D&C 49:15-16).

Muitos jovens temem casar-se porque temem não conseguir manter o amor vivo. Outros também podem acreditar erroneamente: “Se eu conseguir encontrar a ‘pessoa certa,’ meu casamento será perfeitamente feliz o tempo todo e nunca teremos problemas”. Como podemos permanecer apaixonados por alguém durante todos os desafios da vida real, como por exemplo, criar filhos, enfrentar decepções, provações e descobrir as fraquezas e vulnerabilidades um do outro?

Heinz Kohut, um psicólogo que estudou relações humanas, declarou: “O amor é a dolorosa constatação de que as outras pessoas são reais”. Uma pessoa pode se casar com a crença de que “se meu cônjuge realmente me ama, ele ou ela sempre pensará o que eu penso, desejará o que eu desejo e sentirá o que eu sinto. Então saberei que me casei com a pessoa ‘certa’”. Se vocês acreditam nisso, então é fácil achar que quaisquer diferenças são uma traição a esse amor ou um sinal de incompatibilidade. Vocês podem até acreditar que precisam compelir seu cônjuge a se tornar uma réplica de vocês mesmos a fim de que sejam compatíveis. Na realidade, todos os casamentos têm diferenças. As pessoas se casam tendo diferentes características genéticas, origens, experiências de infância, dinâmicas familiares, tradições e carregam consigo significados muito pessoais em relação ao que acontece à sua volta. Quando vocês conseguem entender seus cônjuges pelas lentes da origem e das experiências deles, isso pode ajudá-los a ter uma compreensão mais empática e precisa do comportamento deles.

Em casamentos problemáticos, as pessoas geralmente se apressam em dar as explicações mais negativas e condenatórias possíveis para o comportamento do cônjuge. Porém, é possível explicar a maioria dos comportamentos por mais de uma maneira. Quando há várias explicações disponíveis, escolher com caridade e compaixão fortalecerá a cooperação no casamento. É útil comunicar essa cooperação e boas intenções um ao outro.

Gostaria de compartilhar uma história pessoal de como aprendi essa lição. Quando eu era recém casada, percebi que meu marido e eu possuíamos diferentes necessidades em termos de organização. Meu marido era um cientista e se saía melhor em situações que requeriam exatidão. Eu tenho um temperamento mais criativo. Meu desempenho é melhor quando posso agir de forma mais espontânea. Comecei a notar que ele me acompanhava enquanto eu fazia projetos artesanais e limpava tudo antes mesmo de eu terminar. Interpretei isso como uma crítica à minha organização doméstica e me senti ameaçada e magoada. Pensei: “Ele acha que sou uma esposa ruim porque não sou tão organizada quanto ele”.

Quando, em lágrimas, o confrontei sobre o que eu percebia como seu descontentamento comigo, ele ficou genuinamente surpreso. Ele explicou que reconhecia que eu não gostava de limpar após meus projetos e que, honestamente, desejava fazer algo para aliviar minhas responsabilidades e tornar meus projetos criativos mais divertidos para mim. Explicou também que, como gostava de organizar as coisas, via isso como uma forma de demonstrar seu amor por mim fazendo o que fazia de melhor. Quando finalmente conseguimos nos comunicar de forma honesta e não defensiva um com o outro, os sentimentos ruins desapareceram. Foi de grande ajuda para mim o fato de ele poder expressar verbalmente suas boas intenções para que eu pudesse entendê-lo com mais precisão. Foi de grande ajuda para ele o fato de eu poder confiar nessas boas intenções em vez de julgar erroneamente seu comportamento.

Muitas vezes, essas diferenças entre cônjuges são o que os atraiu um ao outro em primeiro lugar. As diferenças podem ajudar a preencher a falta de certas habilidades em nossa própria personalidade e a tornar a família mais completa. Por exemplo, quando uma criança cai de bicicleta, um dos pais pode dizer: “Você está bem. Levante-se e tente novamente”. O outro pode responder: “Você está bem? Precisa de um curativo?” Essas diferenças sutis entre os dois pais podem ajudar a criança a ter uma experiência mais equilibrada na família do que se o estilo de um dos pais sempre prevalecer. A criança precisa desenvolver tanto a coragem quanto a ternura. Se os pais ficam presos em uma discussão sobre qual resposta é a correta, a criança pode perder o benefício dos dons de ambos.

Quando os casais discordam, geralmente perdem tempo e energia emocional tentando atribuir a culpa um ao outro. Cada um acredita que o outro é culpado e que convencer o cônjuge de sua culpa resolverá o problema. Eles também podem acreditar que nada pode mudar a menos que o cônjuge mude primeiro. A discussão vai e volta como uma bolinha de pingue-pongue, mas nada muda de fato. Por exemplo, uma pessoa diz: “Você é ruim e fica bravo o tempo todo”. A outra responde: “Só estou bravo porque você está sempre me dizendo o que fazer”. Então a bolinha volta para a primeira pessoa: “Bem, eu tenho que lhe dizer o que fazer porque você é egoísta. Você nunca faz nada do que eu peço”. E então, de volta para a outra: “Eu só faço isso porque você é uma chata”.

Nesse diálogo, nenhum dos dois está disposto a aceitar a responsabilidade por sua própria necessidade de crescimento, porque nenhum deles está disposto a abrir mão das coisas que não podem mudar no outro. Continua sendo uma batalha de quem deve mudar primeiro. Nenhum dos dois aceitará o desafio de crescer e se tornar mais como Cristo, a menos que o outro o faça primeiro. Aceitar a responsabilidade é o início do verdadeiro poder pessoal em relacionamentos. Se vocês puderem ser corajosos e amorosos consigo mesmos, poderão começar a examinar suas próprias áreas pessoais que necessitam de crescimento. Assim, vocês terão o poder de ter uma experiência muito diferente. Vocês não precisam mais se considerar vítimas que não podem crescer por causa do comportamento de outra pessoa. Mesmo quando não puderem mudar a outra pessoa, vocês ainda podem optar por continuar seu próprio crescimento para se tornar uma pessoa celestial. Embora o relacionamento possa não ser perfeito, ele ainda pode se tornar um meio pelo qual vocês podem crescer.

Assumir a responsabilidade por nosso próprio crescimento exige tanto amor quanto fé. Quando estamos dispostos a examinar nossa vida, nos tornamos conscientes do quanto precisamos da Expiação. Isso nos aproxima de Cristo. À medida que lutamos contra nossas fraquezas, desenvolvemos empatia por quão difícil é mudar e ficamos menos irritados com nosso cônjuge por não ser capaz de mudar tão rapidamente quanto desejamos. Quando conseguimos reconhecer nossa dependência da Expiação, percebemos o quanto Cristo nos ama. Cristo não esperou até que fôssemos perfeitos para nos amar, até que superássemos todas as nossas fraquezas ou desenvolvêssemos plenamente nossa capacidade de amá-Lo. Ele nos amou primeiro e estava disposto a demonstrar esse amor sofrendo no Getsêmani e morrendo na cruz por nossos pecados, enfermidades e fraquezas (1 João 4:19). Ao nos aproximarmos de Cristo, podemos aumentar nossas reservas espirituais e emocionais e ter mais amor e paciência para oferecer ao nosso cônjuge. Ironicamente, muitas vezes é a nossa própria capacidade de amar que nos torna mais fáceis de ser amados pelos outros.

Aprender a amar exige que nos empenhemos e cresçamos no serviço ao próximo. Quando amamos de verdade, o serviço pode ser vivenciado como um presente que escolhemos dar livremente, ao invés de uma tarefa ou um fardo que nos é exigido. Quando estamos dispostos a nos sacrificar para demonstrar um interesse constante e digno de confiança pela vida, pelo bem-estar e pelos sentimentos uns dos outros, o amor pode ser mantido vivo mesmo durante os difíceis desafios da vida.

Às vezes, as pessoas têm medo de servir porque o confundem com sumbissão, subjugação ou perda de poder. O plano do Senhor para os relacionamentos não inclui nenhuma forma de domínio injusto ou ditadura. O poder no casamento, assim como em qualquer outro contexto, deve estar “inseparavelmente [ligado]” a princípios de retidão (ver D&C 121:36-42). O verdadeiro poder advém da prestação de serviço em um espírito de amor, bondade, gentileza, mansidão e amor não fingido. Esse tipo de serviço pode vincular outra pessoa a nós de modo que ela esteja no relacionamento porque o escolheu livremente, e não porque foi forçada ou obrigada a tal. Nesse tipo de relacionamento, ninguém precisa temer a submissão ao outro.

A admoestação de Paulo às esposas para que se sujeitem a seus maridos (Efésios 5:22), por vezes tem sido erroneamente usada como justificativa para o domínio injusto no casamento. No entanto, uma leitura mais cuidadosa dos versículos adjacentes deixa claro que a ordem é submeter-se ao amor e não ao domínio. Os maridos são ordenados a “[amar] a [sua] própria mulher, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela” (Efésios 5:25). Submeter-se ao amor significa que permitimos que nosso coração fique vulnerável a um cônjuge íntegro. Tornamo-nos mais ternos e gentis com nosso esposo ou esposa. Então, não consideramos mais a bondade e o serviço como subjugação ou um fardo, mas como dádivas de amor. Quando ambos, marido e mulher, prestam serviço de maneira consistente e leal um ao outro para demonstrar seu amor, ninguém precisa temer a vulnerabilidade ou a perda de poder.

Algumas filosofias mundanas sugerem que o serviço e o sacrifício ao próximo farão com que vocês percam sua própria identidade. O Presidente Spencer W. Kimball aconselhou sabiamente que o serviço pode fortalecer a identidade em vez de diminuí-la. Ele declarou:

Há grande segurança na espiritualidade, e não podemos ter espiritualidade sem serviço! Com frequência, nossos atos de serviço consistem em um simples incentivo ou em oferecer ajuda corriqueira em tarefas cotidianas, mas que consequências gloriosas podem advir de atos simples e de ações pequenas, porém deliberadas! Em meio ao milagre de servir, nós nos encontramos.

Não apenas nos “encontramos” em termos de reconhecer a orientação que recebemos em nossa vida, mas quanto mais servimos nossos semelhantes [e eu acrescentaria nossos cônjuges] mais substância há em nossa alma. De fato, é mais fácil “encontrar” a nós mesmos porque há muito mais de nós para encontrar! [Spencer W. Kimball, “Small Acts of Service” [Pequenos Atos de Serviço], Ensign, dezembro de 1974, pp. 2, 5].

Um casamento não precisa ser perfeito e sem desafios para ser um casamento de grande alegria e paz. A paz não vem da ausência de problemas e contratempos, mas do fato de sabermos que nossa vida está em harmonia com a vontade de Deus (João 14:27, 16:33). Quando temos dificuldades em relacionamentos significativos e nos falta a sabedoria de que precisamos, esses problemas podem nos levar a nos ajoelhar em oração. O Senhor pode então nos instruir sobre como aprender a viver mais de acordo com um modelo eterno de relacionamento. Vocês não precisam temer os desafios do casamento se vocês e seus cônjuges se comprometerem com esse processo de aprender a se tornar companheiros eternos e celestiais. O Élder George Q. Cannon disse isso muito bem:

Acreditamos na natureza eterna do casamento, que o homem e a mulher estão destinados, como cônjuges, a viverem juntos eternamente. Acreditamos que fomos criados como somos, com todas essas afeições, com todo esse amor um pelo outro, para um propósito específico, algo muito mais duradouro do que se tornar extinto quando a morte nos alcançar. Acreditamos que quando um homem e uma mulher se unem em casamento e se amam, e seus corações e sentimentos se tornam um, que esse amor é tão duradouro quanto a própria eternidade e que, quando a morte os alcançar, ela não extinguirá nem esfriará esse amor, mas o tornará mais vivo e o acenderá em uma chama mais pura, e que ele perdurará por toda a eternidade. [George Q. Cannon, em Journal of Discourses, 14:320].

Se vocês ainda não encontraram algumas dessas bênçãos em sua vida, não desistam. Deus conhece os desejos justos de seu coração. Ele prometeu a Seus filhos e filhas que essas bênçãos um dia estarão disponíveis a todos os que forem fiéis e depositarem sua confiança no Senhor durante os sofrimentos, provações e decepções da mortalidade. Presto meu testemunho pessoal de que o evangelho de Jesus Cristo, conforme encontrado em A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, é a verdade. Presto meu testemunho de que, no tempo do Senhor e a Seu modo, as grandes bênçãos do casamento eterno podem pertencer a cada um de nós por meio de nossa fidelidade. Embora Deus não nos tenha revelado tudo nesta vida e precisemos andar pela fé, Ele nos prometeu que, por meio do poder infinito da Expiação, poderemos ressurgir na ressurreição dos justos. Seremos então libertados dos espinhos e aflições da mortalidade e selados em relacionamentos familiares amorosos que nunca nos serão tirados. Esses relacionamentos durarão para sempre. Sou grata por minha amada família e amigos que me ajudaram a apreciar essas grandes promessas. Digo isso em nome de Jesus Cristo. Amém.

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Marleen Williams

Marleen Williams era professora clínica associada de psicologia de aconselhamento na Universidade Brigham Young quando este discurso devocional foi proferido em 4 de maio de 2004.