Devocional

O jardineiro do Getsêmani

Presidente do Departamento de Coleções Especiais L. Tom Perry

26 de outubro de 2010

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Se estivermos atentos, veremos as mãos cuidadosas do Jardineiro do Getsêmani moldando nossa vida de maneiras que agora não podemos imaginar. Oro para que cedamos a essa poda, a fim de que possamos nos tornar as pessoas que Deus deseja que sejamos.


Pretendemos modificar a tradução se for necessário. Para dar sugestões, envie um e-mail para: speeches.por@byu.edu

Obrigado pela apresentação, Presidente Samuelson. Caros alunos, hoje me sinto como o rei Benjamim quando falou a seu povo: “Porque, mesmo agora, todo o meu corpo treme muito enquanto me esforço para vos falar”.1 Por muitos meses tenho antecipado a ansiedade deste momento.

Acreditando que teria uma reação solidária de meus colegas na biblioteca aqui da universidade, disse a eles sobre o convite que recebi para dar um discurso neste devocional. Essa notícia, no entanto, foi recebida com uma reação quase universal: risos. Essa não era a resposta que eu esperava. Meus colegas de exercício nas dependências do Richards Building, no entanto, tinham várias sugestões sobre o que eu poderia falar a vocês – a maioria delas inútil. Mas obrigado mesmo assim, pessoal. Fico lhes devendo uma.

No verão de 1842, o artista britânico William Henry Bartlett visitou a Terra Santa. Ele descreveu sua primeira visão da cidade de Jerusalém:

Descemos o caminho íngreme e acidentado à esquerda de nossa vista para o vale do Cedrom; e, cruzando seu leito seco por um pequeno arco, chegamos a um notável conjunto de objetos, importantes para as tradições daquele lugar. À nossa direita há um terreno pedregoso rodeado por um muro baixo e com oito oliveiras de grande antiguidade. Nosso esboço dará uma ideia da aparência retorcida e desgastada pelo tempo de tais árvores, que supostamente seriam as do Jardim do Getsêmani. As árvores em si me lembraram dos célebres cedros de Salomão no Monte Líbano, na grandeza desproporcional de seus veneráveis troncos em relação à fina folhagem acima. Por eras, o peregrino ajoelhou-se e beijou-as com lágrimas, levando consigo alguns dos frutos dispersos, ou uma parte da casca, para lembrá-lo do local onde, para sua salvação, a alma de seu Redentor se tornou “cheia de tristeza até a morte”.2

Os peregrinos modernos ainda levam relíquias deste lugar sagrado. Há poucos anos, meus vizinhos voltaram de Israel com folhas de oliveira coletadas do chão do Jardim do Getsêmani.

Sempre penso naquele santo jardim e em como, há quase 2 mil anos, os ancestrais das árvores de hoje testemunharam o início do sacrifício expiatório de Cristo. Se agora tivessem voz, que história poderiam contar!

Também muitas vezes ponderei que, por se tratar de um jardim, sem dúvida havia um jardineiro que cuidava daquelas árvores com amor: nutrindo-as com água preciosa em tempos de seca, podando-as cuidadosamente para incentivar seus frutos e colhendo as azeitonas amadurecidas.

Creio que é mais do que simbólico que as escrituras muitas vezes se refiram ao Salvador como um jardineiro. Citando o profeta Zenos, o profeta Jacó, do Livro de Mórmon, disse o seguinte:

Ouve, ó casa de Israel, e escuta as minhas palavras, palavras de um profeta do Senhor.

Pois eis que assim diz o Senhor: Comparar-te-ei, ó casa de Israel, a uma boa oliveira que um homem cultivou em sua vinha; e ela cresceu e envelheceu e começou a definhar.

E aconteceu que o dono da vinha viu que a sua oliveira começava a definhar; e ele disse: Podá-la-ei e cavarei ao seu redor e cuidarei dela, para que talvez brotem novos e tenros ramos e ela não morra.3

Uma de minhas histórias favoritas sobre como o Salvador guia a nossa vida foi contada pelo élder Hugh B. Brown, que, durante a maior parte de minha adolescência, foi conselheiro do presidente David O. McKay e era muito amado pelos membros da Igreja. Ouvi essa história pela primeira vez quando era missionário na Alemanha, na década de 1960. Um de meus companheiros missionários era neto do presidente Brown e tinha uma gravação em fita de seu avô relatando essa experiência, que ele intitulou “O jardineiro e o pé de groselha”. Vou usar as próprias palavras do Presidente Brown:

Ao amanhecer, um jovem jardineiro estava podando suas árvores e arbustos. Um de seus pés de groselha favoritos estava em péssimo estado. Temia, portanto, que produzisse pouco ou nenhum fruto.

Assim, ele podou e cortou o pé de groselha. De fato, quando ele terminou, pouco permaneceu além de tocos e raízes.

Com ternura, considerou o que restava. O pé de groselha parecia triste e profundamente ferido. Em cada toco parecia haver uma lágrima onde a faca de poda havia cortado os brotos da primavera. O pobre pé de groselha parecia falar-lhe, e ele pensou tê-lo ouvido dizer: “Ah, como você pôde ser tão cruel comigo, você que se diz meu amigo, que me plantou e cuidou de mim quando eu era jovem, e me alimentou e incentivou a crescer? Você não conseguia ver que eu estava respondendo rapidamente aos seus cuidados? Eu tinha quase metade do tamanho das árvores do outro lado da cerca, e poderia em breve ter me tornado como uma delas. Mas agora você cortou meus galhos; as folhas verdes e vistosas se foram, e eu estou em desgraça entre minhas companheiras.”

O jovem jardineiro olhou para o pé de groselha que chorava e ouviu seu apelo com compreensão solidária. Sua voz estava cheia de bondade quando disse: “Não chore, o que fiz com você foi necessário para que pudesse se tornar um pé de groselha de ainda maior valor no meu jardim.

“Você não deve chorar; tudo isso será para o seu bem; e um dia, quando puder ver mais claramente, quando estiver abundantemente carregado de frutos deliciosos, você vai me agradecer e dizer: ‘Certamente, ele foi um jardineiro sábio e amoroso. Ele sabia o propósito do meu ser, e eu o agradeço agora pelo que eu então pensei ser crueldade.'”

A essa altura do relato, a história do Élder Brown tornou-se uma reflexão pessoal ao olhar 40 anos para trás, quando era oficial do exército canadense e se encontrava na Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial. Uma oportunidade de promoção surgiu inesperadamente, e ele foi ordenado a se apresentar ao alojamento do seu comandante. O Élder Brown havia se preparado durante anos para receber um cargo como aquele que esperava que lhe fosse oferecido. Ele estava confiante de que receberia a promoção e assim o sucesso de sua carreira militar estaria assegurado.

Ao entrar no alojamento do comandante, o presidente Brown notou seu próprio arquivo pessoal aberto na mesa em frente a seu superior. Ele também notou um bilhete escrito de forma clara que dizia: “Este homem é mórmon”. O élder Brown foi informado de que não receberia a promoção que esperava e foi-lhe atribuído o que ele considerava um “cargo relativamente pouco importante”. Ele ficou arrasado. Ele estava convencido de que seus companheiros soldados veriam essa designação como um sinal de que ele havia fracassado.

O Élder Brown voltou para sua barraca, ajoelhou-se ao lado da cama e chorou. Ele sabia que jamais conseguiria alcançar seus objetivos de tornar-se um oficial militar de alto escalão. Ele clamou a Deus:

“Ah, como você pôde ser tão cruel comigo? Você que diz ser meu amigo, você que me trouxe aqui e me alimentou e incentivou a crescer. Você não conseguia ver que eu era quase igual aos outros homens que há tanto tempo tenho admirado? Mas agora fui cortado. Estou em desgraça entre os meus companheiros. Como pudeste fazer isso comigo?”

O Élder Brown sentiu-se humilhado e seu coração encheu-se de amargura. Em seguida, pareceu ouvir um eco do passado. As palavras que estavam em sua mente eram palavras que ele tinha ouvido antes — mas onde? Então, percebeu que eram as palavras do pé de groselha e sua memória sussurrou: “Eu sou o jardineiro aqui.”

A lembrança daquele incidente há muito esquecido no jardim voltou com força, e sua própria memória respondeu à súplica amarga que ele havia feito a Deus:

“Não chore, o que fiz com você foi necessário. Você não foi destinado para o que pretendia ser. Se eu tivesse permitido que você continuasse, você teria fracassado no propósito para o qual eu o plantei e meus planos para você teriam sido arruinados. Um dia, quando estiver repleto de experiência, você dirá: ‘Ele foi um jardineiro sábio. Ele conhecia o propósito de minha vida terrena. Agradeço a ele agora pelo que então achei ter sido cruel'”.

Arrependido, e sem mais amargura em seu coração, o presidente Brown disse humildemente a Deus e confessou:

“Eu agora te reconheço. Você é o jardineiro, e eu o pé de groselha. Ajuda-me, querido Deus, a suportar a poda, e a crescer como você quer que eu cresça, a tomar o lugar que me é atribuído na vida e a cada vez mais dizer: ‘Não se faça a minha vontade, mas a tua'”.4

Quando ouvi essa história pela primeira vez como missionário, a considerei um conto adorável e com uma moral com pouca relevância para minha própria vida e aspirações. No entanto, olhando para trás, após 40 anos, a vejo mais como um padrão em minha vida que eu jamais poderia ter previsto.

Quando me formei, em 1970, com bacharelado em história, considerei muitas opções de carreira, mas decidi fazer mestrado em biblioteconomia, que na época era oferecido aqui. Em 1972, comecei a trabalhar na BYU como curador assistente de coleções especiais. O trabalho era interessante, desafiador e satisfatório. Mas, por algum motivo — nem consigo lembrar o que era agora —, eu estava inquieto e queria fazer algo diferente e mais desafiador.

Disse à minha mulher que queria fazer faculdade de Direito. “Tem certeza?”, foi a resposta dela. “Tenho sim. Sem dúvida nenhuma”, foi a minha resposta – ou algo parecido. Então eu fiz tudo o que os aspirantes a estudante de direito fazem: testes de admissão para escolas de direito, inúmeras inscrições, oração, jejum e mais oração. Como a minha esposa é de Vermont, no leste dos EUA, decidimos que eu deveria me inscrever em escolas daquela região do país. Fui aceito na Faculdade de Direito da Universidade de Syracuse em 1975, então vendemos nossa casa, encaixotamos nossos pertences e nos mudamos com nossa família — duas meninas e mais um bebê a caminho — para Syracuse, Nova York.

Zenos descreveu esse processo de deslocamento: “E eis que, diz o Senhor da vinha, tirarei muitos destes ramos novos e tenros e enxertá-los-ei onde me agradar”.5 E assim fomos enxertados em outra parte do reino.

Eu não percebi na época, mas soube mais tarde que, quando jovens formados na BYU se mudam para outros lugares do mundo, os líderes locais da ala e do ramo têm grandes expectativas de que eles chegarão com fortes habilidades de liderança, um sólido testemunho do evangelho e a capacidade de assumir com confiança qualquer chamado na Igreja. A educação na BYU é uma excelente preparação para a pós-graduação e carreiras bem-sucedidas, além de os preparar para posições de liderança na comunidade e na Igreja.

Por isso, fomos recebidos pelos membros da Igreja em Syracuse com entusiasmo e expectativas. Sentimos que o Senhor realmente nos enxertou nesta ala, chamando-nos para designações de serviço na Igreja.

Mas algo parecia surpreendentemente incômodo em minha experiência na faculdade de direito. Depois do primeiro ano, eu sabia que não me sentiria confortável exercendo advocacia. Quando conversei sobre meu desconforto com minha esposa, ela não foi muito receptiva, dizendo algo do tipo: “Você nos mudou para o outro lado do país; você vai terminar a faculdade de direito!” Ela é durona; mas ela geralmente também tem razão.

Então, perseverei e, conforme instruído, me formei. Durante meu último ano da faculdade de direito, tive a ideia de me tornar um agente do FBI. Suponho que fiquei intrigado com o que pensei que seria a empolgação do trabalho policial e investigativo. Nunca me ocorreu a ideia de que talvez eu não fosse adequado para tal profissão. Minha bênção patriarcal indica que eu teria sucesso na vocação de minha escolha. Em meu próprio raciocínio um tanto complicado, presumi que isso significava que eu só tinha que escolher uma profissão honrosa e o sucesso estaria garantido.

Aqueles de vocês que já se candidataram a um emprego federal sabem que as rodas do nosso governo nacional podem se mover dolorosamente devagar. Passei por uma triagem psicológica, entrevistas pessoais, testes de língua estrangeira e exames físicos rapidamente. E então eu esperei. . . e esperei. . . e continuei esperando para que algo acontecesse. Quinze meses após a formatura, fui finalmente convidado a participar de uma nova turma de agentes na Academia do FBI em Quantico, Virgínia.

Nem preciso dizer que eu estava animado, nervoso e otimista em relação ao meu futuro. Senti como se estivesse no limiar de uma carreira promissora e bem-sucedida. Eu tinha conversado com muitos agentes do FBI, da CIA e do Serviço Secreto e acreditava que realmente poderia me destacar na área de segurança.

As primeiras semanas de treinamento para novos agentes foram muito boas. Houve instrução em sala de aula sobre vários aspectos de investigações de casos, psicologia e direito constitucional, além de metas desafiadoras de aptidão física a serem cumpridas e instruções sobre armas de fogo. Cerca de quatro semanas após o início do treinamento, fomos apresentados ao estande de tiro indoor. Quando eu estava na linha de tiro, pronto para disparar contra o alvo a cerca de 23 metros de distância, as luzes do teto se apagaram. As únicas luzes acesas no campo de tiro estavam sobre o alvo. Levantei a arma e a apontei para o alvo. Eu não conseguia enxergar a mira na extremidade do cano! Pisquei os olhos — nada mudou. Havia apenas um borrão onde a mira deveria estar. Disparei seis tiros altamente imprecisos contra o alvo. Eu não podia acreditar no que estava acontecendo! Eu tinha disparado com eficiência na pista externa, mas meus olhos estavam me traindo na iluminação reduzida da pista interna. Meus instrutores me puxaram para o lado e perguntaram o que estava acontecendo. Eu disse que não sabia, mas me senti encorajado por eles mostrarem disposição em trabalhar comigo para superar o que pensávamos ser apenas uma simples questão de treinamento.

Certo sábado, pouco tempo depois, retirei uma arma do arsenal que teve seu pino de disparo removido, conhecida como “alça vermelha”, e fui para a mata praticar tiro seco contra alvos. O dia estava nublado, e acabei tendo a mesma experiência que na pista indoor. A mira na ponta do cano da arma desapareceu em um borrão. “Isso não pode estar acontecendo”, pensei. “Talvez eu deva orar sobre isso”, raciocinei. Enos, o profeta do Livro de Mórmon, travou uma “luta perante Deus” que resultou na remissão de seus pecados.6 Mas não era de pecados que eu estava tentando me livrar — era de uma condição física que prejudicava seriamente minha capacidade de disparar uma arma com precisão. Assim, por horas, perambulei pela floresta, alternadamente atirando e orando. As coisas, no entanto, não melhoraram.

Por sorte, minha esposa teve nosso quarto filho poucos dias depois, e recebi permissão para viajar no final de semana para Connecticut, onde ela estava hospedada com seus pais. Enquanto estava em Hartford, pude consultar meu oftalmologista sobre meu problema no estande de tiro. Ele me disse que, devido ao astigmatismo severo que tenho em cada olho, eu não poderia esperar nenhuma melhora na visão. Minha esposa e eu discutimos nossas opções, que consistiam basicamente em seguir no que eu estava fazendo e esperar que eu pudesse me qualificar no estande de tiro, ou pedir demissão do FBI. No voo de volta para Washington, D.C., pensei sobre minha situação e lembrei-me do Élder Brown e de sua história sobre o jardineiro e o pé de groselha. Por que Deus estava fazendo isso comigo? Não me havia sido prometido que eu teria sucesso na vocação de minha escolha? Por que eu estava sendo submetido a essa dolorosa poda?

No dia seguinte, encontrei-me com o agente especial que era nosso conselheiro de classe, e falei a ele sobre minha situação. Expliquei o quanto me sentia desconfortável em carregar uma arma quando sabia que seria incapaz de dispará-la com precisão em certas condições de iluminação. Eu não apenas seria um perigo para os criminosos, mas também seria um risco para os meus colegas agentes! Esse fardo era muito grande para mim. Decidi renunciar ao meu cargo de agente especial. Escrevi uma declaração com esse objetivo e a entreguei ao conselheiro. Ele disse que iria repassá-la ao diretor da Academia do FBI. Voltei para meu quarto e comecei a fazer as malas.

Ao sentar-me sozinho em meu quarto, senti paz no coração, sabendo que tinha feito a coisa certa. Dei-me conta de que a promessa que me havia sido dada em minha bênção patriarcal seria cumprida se eu escolhesse cuidadosamente e em espírito de oração uma profissão que o Senhor desejava que eu seguisse — e não uma que eu tivesse escolhido simplesmente por ser glamorosa ou emocionante.

Enquanto ponderava sobre o futuro, o conselheiro de classe voltou e me perguntou se eu consideraria outro cargo que não fosse como agente no FBI. Ele explicou que havia várias vagas na academia para as quais eu poderia estar qualificado. Como eu não tinha mais nada planejado, disse a ele que consideraria. Liguei para minha esposa, Cindy, e perguntei o que ela achava de eu assumir um cargo diferente no FBI. Como ela estava ansiosa para estarmos juntos novamente como família, disse que eu deveria aceitar um cargo se me oferecessem um.

Conversei com vários agentes que tinham vagas em seus departamentos – ou “unidades”, como a agência os chama – e me foi oferecida uma vaga na Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento Institucional. Aquela acabou sendo uma oportunidade valiosa para conhecer pessoas importantes no FBI e para aprender novas habilidades.

Uma das pessoas que acabei conhecendo foi o chefe da unidade diretorial de redação de discursos na sede do FBI em Washington. Cerca de um ano depois, quando surgiu uma vaga em sua unidade para redator de discursos, ele pediu que eu me candidatasse. Assim o fiz, e a vaga me foi oferecida.

Aquele foi o início de uma nova carreira para mim. Quando as pessoas descobrem que por 15 anos eu fui redator de discursos – não apenas para o FBI, mas também para a Associação Médica Americana em Chicago, para a Merck (uma empresa farmacêutica em Nova Jersey) e para a Medtronic (uma empresa de dispositivos médicos em Minneapolis) – elas comentam que esse deve ter sido um trabalho interessante. E foi. Mas a parte mais interessante de todas as nossas experiências nesses lugares foram as pessoas maravilhosas que conhecemos, membros e não membros da Igreja. Desfrutamos de muitas oportunidades especiais para servir no reino e nos associar com alguns dos nobres e grandes de Deus. Minha esposa e eu sentimos como se o Senhor nos tivesse cultivado, assim como o senhor da vinha na alegoria de Zenos cultivou suas preciosas oliveiras. Espero que o fruto que produzimos — e que continuamos a produzir — seja doce e satisfatório para Ele e para aqueles a quem servimos.

Há quase 15 anos, passei por outra poda quando minha posição em Minnesota foi reestruturada e passei a não mais fazer parte daquela organização. Novamente foi uma época difícil, mas o senhor da vinha cuidou de nossas necessidades por meio das mãos atenciosas de nossos vizinhos e membros da Igreja. Adquirimos novas experiências e talentos que viriam a se tornar inestimáveis à medida que nós — Cindy e eu — buscamos nos restabelecer no mercado de trabalho.

Um dos empregos que tive durante esse período de três anos de desemprego e subempregos foi como agricultor da década de 1850, em uma fazenda de história viva administrada pela Sociedade Histórica do Estado de Minnesota. Que trabalho divertido! Era um trabalho agrícola tal como nossos ancestrais faziam há 150 anos. Saí daquele trabalho com um apreço maior pelo que eles tinham que suportar e com a certeza de que eu poderia ter feito isso também.

Mas aquele não era o meu único trabalho. Eu tinha decidido que tentaria encontrar uma vaga em uma biblioteca novamente, já que gostava de trabalhar com livros, documentos e pessoas. Então, encontrei vários empregos que me ajudaram a ganhar experiência e novas habilidades com computadores, as quais eu tinha deixado de adquirir por ter ficado longe do mundo bibliotecário por mais de 20 anos.

Há quase 12 anos, fui recontratado pelo departamento de Coleções Especiais da biblioteca Harold B. Lee, onde havia iniciado minha carreira décadas antes. Durante o processo de entrevista, senti uma calma incomum, um sentimento de que o Senhor estava no comando e de que as coisas aconteceriam como deveriam. Esse foi um testemunho para mim de que Deus cuida de nós e nos direciona para o lugar onde Ele quer que estejamos.

Posso dizer honestamente que o emprego que tenho agora — e tive muitos outros para compará-lo — é o melhor emprego que já tive. É o lugar onde devo estar. Agora eu compreendo. Permitam-me contar uma experiência que me dá essa convicção.

Na manhã de 13 de outubro de 2003, eu estava entre as estantes de livros do departamento de Coleções Especiais L. Tom Perry olhando para uma coleção de almanaques americanos dos séculos XVIII e XIX com o professor Madison Sowell e alguns colegas bibliotecários. Eu estava trabalhando com o Dr. Sowell para reunir materiais que pudéssemos exibir em conexão com sua próxima palestra sobre o uso de almanaques como fontes de pesquisa. O professor Sowell colocou a mão dentro de uma caixa, retirou um almanaque de 1781 e o examinou. Ele então o entregou a mim e mencionou que deveríamos usá-lo, porque tinha papel de escrita intercalado com as páginas do calendário, o que permitia que o almanaque fosse usado como um diário – o que de fato tinha sido.

Ao examinar os registros, notei referências frequentes a Stockbridge. “Este homem mora no oeste de Massachusetts”, pensei comigo mesmo. Examinei a primeira folha de papel de escrita e vi a inscrição: “Diário do meu avô Wm. Partridge, n. 1753. — H. W. Partridge.” Fiquei chocado! Eu sabia que tinha antepassados Partridge morando em Pittsfield, não muito longe de Stockbridge, em torno dessa época. Talvez esse tenha sido um deles — possivelmente um primo distante.

Pedi licença e fui até meu computador, acessei o banco de dados do FamilySearch e digitei o nome William Partridge e o ano de nascimento de 1753. Os resultados da pesquisa mostraram nomes com os quais eu estava familiarizado: o pai de William, Oliver Partridge; sua mãe, Anna Williams; sua esposa, Jemima Bidwell; e um de seus filhos, Edward, o primeiro bispo da Igreja Mórmon, que foi meu tataravô. Caso você tenha perdido a conta, isso faria de William Partridge meu pentavô!

Meus colegas ficaram impressionados com essa descoberta. Depois que eles saíram, ocorreu-me que, se tínhamos um diário, talvez tivéssemos mais. Então dei uma olhada nos cerca de 200 almanaques da nossa coleção. E, com certeza, tinha mais – 45 outros – cada um com as anotações marginais características de William.

Ninguém sabe ao certo como esses diários foram parar na BYU. Acredito que eles foram adquiridos décadas atrás, quando a biblioteca comprou uma coleção de almanaques americanos antigos de um negociante de livros em Denver. Qualquer que seja a explicação, esses diários estavam essencialmente perdidos para os pesquisadores até que o Dr. Sowell tirou um deles de uma caixa, examinou-o e entregou-o a mim. Foi mais do que uma coincidência.

Na Conferência Geral de abril de 1916, o presidente Joseph F. Smith disse o seguinte:

Se pudermos ver pela influência esclarecedora do Espírito de Deus, além do véu que nos separa do mundo espiritual, certamente aqueles que já passaram para o além podem ver mais claramente a nós do que nós a eles. Acredito que nos movemos na presença de mensageiros celestiais e de seres celestiais. Começamos a compreender cada vez mais plenamente, à medida que nos familiarizamos com os princípios do evangelho, que estamos intimamente ligados a nossos parentes, a nossos antepassados, a nossos amigos, colegas e colaboradores que nos precederam no mundo espiritual. Não podemos esquecê-los; não deixamos de amá-los; sempre os guardamos em nosso coração, em nossa lembrança, e assim estamos vinculados e unidos a eles por laços que não podemos romper, os quais não podemos dissolver e dos quais não podemos nos livrar.7

Passei a sentir que há, de fato, laços que me unem a esse homem, William Partridge. Há sete anos, ele transpôs as barreiras do véu e colocou em minhas mãos um relato de seus anos aqui na Terra, um relato que ele sempre quis que seus descendentes possuíssem.

Essa experiência é apenas uma das muitas manifestações espirituais que tenho vivenciado que me levam a acreditar que nosso Pai Celestial e Seu Filho, Jesus Cristo, estão cientes de nós e nos guiarão se ouvirmos o Espírito Santo. Se estivermos atentos, veremos as mãos cuidadosas do Jardineiro do Getsêmani moldando nossa vida de maneiras que agora não podemos imaginar. Oro para que cedamos a essa poda, a fim de que possamos nos tornar as pessoas que Deus deseja que sejamos, em nome de Jesus Cristo. Amém.

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  1. Mosias 2:30.
  2. Bartlett, W.H. Walks about the City and Environs of Jerusalem [Caminhadas pela Cidade de Jerusalém e Arredores], George Virtue, 1844), p. 105.
  3. Jacó 5:2-4.
  4. Em Leon R. Hartshorn, comp., Outstanding Stories by Past General Authorities [Histórias Extraordinárias de Autoridades Gerais Passadas] (Provo: Spring Creek, 2007), 37–39; uma versão expandida dessa história pode ser encontrada em Hugh B. Brown, “The Currant Bush”, New Era, janeiro de 1973, pp. 14–15.
  5. Jacó 5:8.
  6. Ver Enos 1:2.
  7. CR, abril de 1916, pp. 2–3.



Russell C. Taylor

Russell C. Taylor era presidente do Departamento de Coleções Especiais L. Tom Perry quando deu este discurso em 26 de outubro de 2010.