Devocional

Ser as mãos bondosas de Cristo

Diretor executivo dos Serviços de Desenvolvimento Estudantil

29 de junho de 2021

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O nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo – nosso Irmão Mais Velho – está sempre disposto a nos levantar, secar nossas lágrimas e curar as feridas que recebemos ao viver em um mundo decaído. O objetivo de meu discurso de hoje é simplesmente este: um dever humilde que temos como discípulos de Cristo é o de sermos Suas mãos para fazer isso acontecer.


Pretendemos modificar a tradução se for necessário. Para dar sugestões, envie um e-mail para: speeches.por@byu.edu

Sou grato pela oportunidade de compartilhar este discurso neste devocional. É um tanto assustador estar no palco do de Jong Concert Hall. Na verdade, esta é a minha segunda vez neste palco. Já me apresentei aqui como trompista barítono na Farrer Junior High Band – talvez estabelecendo um recorde histórico de notas mais erradas já tocadas em uma apresentação neste edifício. Essa experiência me ajudou a me preparar para evitar quaisquer notas erradas, metaforicamente falando, neste discurso de hoje.

A casa onde eu morei na minha infância ficava na rua Ninth East, aqui em Provo, do outro lado da rua do antigo Heritage Halls, por isso considerava o campus da BYU como meu parquinho quando menino. Lembro-me de quando muitos desses prédios, inclusive o Harris Fine Arts Center, conhecido como HFAC, estavam em construção. Tenho lembranças de andar pelo local da escavação desse prédio quando tinha cerca de cinco anos de idade. Embora a lembrança de minha aventura no poço de construção do HFAC seja um tanto vaga, tenho a nítida lembrança de que estava com meu irmão mais velho, Thales, que é oito anos e meio mais velho do que eu.

Tenho seis irmãos. Thales é o mais velho, e eu sou o quinto de sete filhos. Como nasceram três irmãs entre mim e Thales, meus pais me disseram que ele estava especialmente feliz por ter um irmão mais novo, e sua felicidade por ter um irmão certamente se evidenciou nos anos seguintes. Quando eu tinha cerca de quatro anos, Thales sempre me levava com ele e seus amigos em suas aventuras. Eu sempre me sentia orgulhoso quando estava com esse grupo de meninos mais velhos. Antes de eu aprender a andar de bicicleta, Thales enrolava uma toalha na barra em frente ao banco de sua bicicleta Murray e me colocava sobre a toalha. Então, andávamos de bicicleta pelas ruas de Provo. E, não, não usávamos capacete. Caçar lagartixas no sopé das montanhas, caminhar até o Y [Nota do tradutor: uma letra Y gigante feita de concreto sobre parte da superfície de uma montanha em Provo, perto do campus da BYU], comprar balas de um centavo no Rowley’s Market e correr pelos prédios em construção na BYU são lembranças maravilhosas, tornadas especialmente doces pela bondade e presença do meu irmão mais velho.

Certa noite, quando eu tinha cerca de oito ou nove anos, estava dormindo na cama de cima do beliche no quarto que eu dividia com meu irmão no andar de cima de nossa casa. Talvez durante um sonho particularmente vívido, rolei enquanto dormia, escorreguei da beira do beliche e caí no chão. Thales estava em um cômodo do andar de baixo, logo abaixo do nosso quarto, tendo recém chegado de um encontro. Ele ouviu o estrondo, subiu correndo as escadas e me encontrou no chão, sem fôlego e chorando. Não lembro do que ele disse, mas lembro que ele me levantou e gentilmente me colocou de volta na cama.

Gostaria que todos tivessem um irmão mais velho como o meu, alguém em quem sempre pudéssemos confiar quando caíssemos. Infelizmente, minha experiência profissional como psicólogo me ensina que muitos não têm esse privilégio. As pessoas corajosas com quem trabalho geralmente enfrentam a vida sozinhas, tentando entender suas dificuldades na vida e a tristeza que consequentemente as assola. Muitas vezes, elas não têm ninguém para apoiá-las ou ajudá-las. Mesmo aquelas que têm famílias intactas, pais gentis e amorosos e bons amigos, muitas vezes lutam para encontrar felicidade e propósito na vida ou para se sentirem conectados a outras pessoas. Às vezes, o isolamento sentido por esses pacientes é incapacitante, intensificando as lutas que enfrentam. Eles precisam de outras pessoas!

Na parábola do bom samaritano, o Salvador desviou nosso foco do homem ferido para duas figuras, um sacerdote e um levita:

E, por acaso, descia pelo mesmo caminho um certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo.

E de igual modo também um levita, chegando-se ao lugar, e vendo-o, passou de largo.1

Ao ler essa parábola ao longo dos anos, eu sempre me senti inclinado a condenar a falta de ação do sacerdote e do levita. Afinal de contas, eles estavam em posições de autoridade e era de se esperar que proporcionassem conforto, consolo e cuidado ao homem ferido. Em leituras recentes, no entanto, comecei a considerar o que o sacerdote e o levita podem ter pensado quando passaram pelo homem ferido e sofredor. Suspeito que o pensamento deles possa ter sido semelhante ao de muitos em nossa sociedade atual que presenciam sofrimento quando passam “pelo caminho”:

“Não posso ajudar”.

“Não sei o que fazer.”

“Me sinto constrangido.”

“Não conheço essa pessoa.”

“Ele não deveria estar andando aqui à noite!”

“Outra pessoa com mais competência aparecerá para ajudar.”

Como sugeriu o Élder Gerrit W. Gong em seu mais recente discurso na conferência geral: “Embora devêssemos ajudar uns aos outros, com muita frequência passamos para o outro lado da estrada, por qualquer motivo”.2

Há muitas razões pelas quais podemos passar despercebidos quando amigos ou conhecidos enfrentam dificuldades espirituais intensas ou isolamento mental. Aqueles que estão em sua esfera imediata podem se sentir inadequados, sem saber o que fazer. Às vezes, o sofrimento de nossos conhecidos e entes queridos parece estar muito além de nossa ajuda e compreensão. Podemos nos sentir justificados em “[passar] de largo”. Quando era um jovem terapeuta em treinamento, lembro-me de ficar assustado com a intensidade do sofrimento de alguns de meus pacientes. Por vezes, eu me perguntava se havia algo que eu pudesse dizer ou fazer para aliviar a dor deles. Muitas vezes, eu me sentia completamente inadequado. Talvez alguns de vocês tenham sentido uma inadequação semelhante ao testemunharem o sofrimento de outra pessoa.

No entanto, nosso dever como discípulos de Cristo nos encarrega de nos envolvermos com aqueles que estão sofrendo. No livro de Mosias, Alma ensinou que aqueles que desejassem ser batizados fariam um convênio de “carregar os fardos uns dos outros, para que fiquem leves”, de “chorar com os que choram” e de “consolar os que necessitam de consolo”.3 

O chamado para aliviar o sofrimento dos outros pode ser um dos deveres cristãos mais desafiadores. Podemos nos considerar inadequados e, assim, nos justificamos por não ajudar. Entretanto, por mais difícil que esse dever pareça ser, ele pode, paradoxalmente, ser um dos mais satisfatórios. Parar para ajudar, dar o que podemos – mesmo quando nos sentimos inadequados – pode não apenas aliviar o sofrimento de um dos filhos do Pai Celestial, mas também pode, por meio de nossas escolhas de ajudar aqueles que precisam, realmente gerar pequenas mudanças em nosso caráter e nos dar mais confiança em nossa capacidade de sermos discípulos bondosos.

Também podemos sentir gratidão e paz ao reconhecer que nossos esforços para aliviar o sofrimento de outras pessoas fazem parte do processo de nos tornarmos mais semelhantes ao Salvador. Em um comovente discurso de conferência geral em meio a seu sofrimento pessoal com a leucemia, o Élder Neal A. Maxwell observou:

Ao levar a efeito a benéfica Expiação, certas coisas foram totalmente exclusivas a Jesus. Essas coisas não podem ser reproduzidas por nós, os beneficiários da gloriosa Expiação com sua dádiva da ressurreição universal, mas também com sua oferta de vida eterna (ver Moisés 6:57-62).

No entanto, em nossa escala menor, assim como Jesus convidou, podemos de fato nos esforçar para nos tornarmos “como [Ele é]” (3 Néfi 27:27).

Ao partilharmos da melhor forma possível dos sofrimentos e doenças dos outros, também podemos desenvolver nossa empatia – uma virtude eterna e vital. Também podemos desenvolver ainda mais nossa submissão à vontade de Deus, de modo que, em nossos desafios menos agonizantes, mas ainda assim genuinamente frustrantes, também possamos dizer: “Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lucas 22:42).4

Apesar das bênçãos que o socorro aos outros pode trazer, é comum acreditarmos que somos inadequados e não podemos ajudar. Então, como podemos superar os sentimentos de medo e inadequação que tantas vezes acompanham nossas tentativas de aliviar o sofrimento alheio? Como encontrar a coragem para seguir o exemplo do Salvador e seguir em frente quando acreditamos que nossos esforços são insuficientes? Eis algumas sugestões que podem nos ajudar.

Abandonem a categorização humana

Um dos motivos mais comuns pelos quais podemos deixar de oferecer ajuda e auxílio é nossa tendência de julgar os outros ou a nós mesmos como sendo inadequados. Uma das crenças irracionais mais comuns e debilitantes é a tendência de realizar categorizações humanas. A categorização humana é a crença de que podemos, de alguma forma, avaliar com precisão os seres humanos como adequados ou inadequados.

Somos prejudicados pela categorização humana. Os indivíduos e as organizações em nossa sociedade usam essa tendência natural humana de várias maneiras. Alguns dos exemplos mais óbvios podem ser vistos na publicidade. A publicidade enfatiza a tendência humana de nos compararmos com os outros e passa a mensagem de que podemos ser melhores por meio da compra do tipo certo de carro, chiclete ou detergente de louça. É interessante notar que parte de nossa economia é impulsionada pela categorização humana e pela tendência dos indivíduos de comprar bens para ajudá-los a “serem melhores”. Outro gatilho da categorização humana – ainda mais subversivo – assumiu nos últimos anos um papel central na vida de muitas pessoas. Minha experiência clínica sugere que a mídia social pode ser ainda mais enganosa e destrutiva do que a publicidade. Plataformas de mídia social de todos os tipos sugerem, de forma rotineira, mas falsa, que a vida dos outros é mais feliz, mais glamourosa e mais empolgante do que a nossa. A categorização consciente ou inconsciente de nós mesmos com base em imagens ou informações enganosas ou totalmente falsas pode levar à frustração, raiva ou depressão. Tanto a publicidade quanto a mídia social aumentam nossa tendência natural de nos vermos como “menos que” os outros. Em resumo, a categorização humana nos impede de ser quem realmente somos e quem o Pai Celestial deseja que nos tornemos.

Vocês acreditam que podem ser inadequados ou que o que vocês têm a oferecer não é bom o suficiente? Vocês estão em boa companhia. Para ajudar seus pacientes na BYU, meu colega Stevan Lars Nielsen pesquisou nas escrituras versículos para ajudar seus clientes que lutam contra crenças irracionais, tais como a categorização humana. Lars encontrou referências nas escrituras em que até mesmo grandes profetas realizaram categorizações humanas. Uma das minhas favoritas, em Éter 12, envolve Morôni. O Senhor ordenou a Morôni que finalizasse a história de seu pai, assegurando-lhe que nossa geração seria beneficiada, mas Morôni estava preocupado:

E eu disse-lhe: Senhor, os gentios farão zombaria destas coisas, em virtude de nossa deficiência na escrita; pois, Senhor, tu nos fizeste poderosos na palavra pela fé, mas não nos fizeste poderosos na escrita (…)

Tu também fizeste nossas palavras poderosas e fortes, a ponto de não as podermos escrever; portanto, quando escrevemos, observamos nossa fraqueza e tropeçamos por causa da colocação de nossas palavras; e eu temo que os gentios zombem de nossas palavras.5

Não é fascinante? Esse notável e corajoso profeta de Deus acreditava que era inadequado. Assim como para vocês, as palavras de Morôni me inspiraram várias vezes, mas ele acreditava que elas eram fracas. A razão pela qual suas palavras são de fato “poderosas e fortes” encontra-se no versículo 27:

E se os homens [e mulheres] vierem a mim, mostrar-lhes-ei sua fraqueza. E dou a fraqueza aos homens [e mulheres] a fim de que sejam humildes; e minha graça basta a todos os que se humilham perante mim; porque caso se humilhem perante mim e tenham fé em mim, então farei com que as coisas fracas se tornem fortes para eles.6

A verdade é que somos fracos, assim como qualquer outro ser humano na face da Terra. No entanto, a verdade maior é que nossos esforços para amar e elevar, embora feitos por um ser humano falho, serão aprimorados pela orientação e influência amorosas do Pai Celestial.

Demonstrem paciência e respeito

Meus filhos, Josh e Matt, têm uma capacidade excepcional de se aproximar de praticamente qualquer animal, até mesmo de cães aparentemente ferozes, e acalmá-los. É incrível de observar. Quando Josh tinha quatorze anos, ele e eu acampamos no Parque Nacional Canyonlands. Alguns passarinhos adoráveis, com o nome de chapim tufado, estavam voando ao redor dos pinheiros em nosso acampamento e apressando-se para comer as sementes ou as migalhas de nossas refeições.

Josh disse: “Pai, vou fazer com que um desses pássaros coma da minha mão”.

Percebendo a desconfiança dos pássaros, descartei a possibilidade com um comentário do tipo “Boa sorte” e me acomodei em minha cadeira de acampamento para ler.

Cerca de uma hora e meia depois, Josh me chamou em voz baixa: “Pai. Pai!”

Quando levantei os olhos de meu livro, havia três chapins em sua mão comendo algumas migalhas de pão. Fiquei tão surpreso! Josh é, sem dúvida, nosso filho mais ativo e tem lutado contra o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. No entanto, sua incrível paciência e bondade fizeram com que esses passarinhos se aglomerassem em sua mão. Eu não conseguiria fazer o mesmo. 

Acampando no mesmo local alguns anos depois, Matt estava tocando seu violão e cantando “Blackbird”, de Paul McCartney. Um pequeno chapim pousou na árvore ao lado dele e começou a piar toda vez que ele cantava a música. Ele a cantou duas ou três vezes e, a cada vez, o pássaro voava de volta e começava a piar. Eu também não conseguiria fazer o mesmo.

O que há em meus filhos que lhes dá essa habilidade especial? Observando-os, acho que eles demonstram paciência e respeito por seus amigos animais. Eu os vejo fazendo o mesmo com seus amigos humanos. Meu filho Josh é assistente social e trabalha com meninos com Transtorno do Espectro Autista. Matt trabalha com atendimento ao cliente. Ambos são conhecidos por sua capacidade de acalmar situações difíceis em seu trabalho. Eles certamente seguem o conselho do apóstolo Pedro:

E finalmente, sede todos de um mesmo sentimento, compassivos, amando os irmãos, misericordiosos e afáveis.

Não retribuindo mal por mal, ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo, sabendo que para isso sois chamados, para que por herança alcanceis a bênção.7

Vi a habilidade de “não [retribuir] mal por mal”, mas reagir com paciência e respeito, ser belamente exemplificada por uma viúva, Anne, que demonstrou bondade quando foi desprezada por outra pessoa. Anne foi designada a visitar e ensinar outra mulher de sua ala, Betty, que havia perdido o marido recentemente. Betty estava inconsolável de dor e solidão e rejeitou qualquer tentativa dos membros da ala de se aproximarem dela.

Como Betty explicou mais tarde: “Eu estava com raiva e frustrada, e não conseguia suportar estar perto de outras pessoas. Ao mesmo tempo, desejava que alguém se aproximasse de mim. Eu simplesmente não sabia o que fazer!”

Quando Anne foi até Betty com algumas flores para expressar suas condolências, Betty fechou a porta na cara de Anne, dizendo-lhe em voz alta que não queria visitas e não queria nem precisava de nada dos vizinhos! Anne caminhou lentamente para casa, perguntando-se o que deveria fazer. Depois de passar alguns minutos em casa orando e pensando sobre sua própria solidão e tristeza, Anne decidiu voltar à casa de Betty.

Após bater na porta, Anne ficou surpresa quando Betty a abriu. Ana envolveu Betty em um abraço apertado, e disse: “Sinto muito que você esteja sofrendo”.

 Ao invés de tentar afastar Anne novamente, Betty aceitou o abraço de Anne e soluçou, enquanto dizia: “Me desculpa. Me desculpa.”

Meu sogro costumava dizer que as pessoas precisam ainda mais de amor quando agem de forma menos amável. A capacidade de superar a raiva e a frustração de outras pessoas surge quando se percebe que a emoção expressada não é necessariamente a emoção principal que o indivíduo está sentindo. O que permitiu que Anne vencesse a raiva exterior de Betty? Acredito que foi a paciência e o respeito – paciência para perceber que a dor de Betty estava mascarada como raiva, e respeito devido ao reconhecimento de Anne de sua própria solidão e tristeza. Embora Betty não parecesse ser muito amável, Anne reconheceu que ela precisava de amor e compaixão.

Desenvolvam compaixão e empatia 

Gostaria de voltar ao conselho do apóstolo Pedro: “E finalmente, sede todos de um mesmo sentimento, compassivos, amando os irmãos, misericordiosos e afáveis.”8

Há dois anos, os terapeutas dos Serviços de Aconselhamento e Psicológicos da BYU (CAPS) tiveram o privilégio de receber dois dias de treinamento do Dr. Paul Gilbert, fundador da terapia focada na compaixão (CFT). A abordagem do Dr. Gilbert tem uma influência crucial na maneira como eu pratico terapia. Ele vê a compaixão como um ingrediente essencial para aliviar nosso próprio sofrimento, assim como o sofrimento dos outros. Ele acredita que “a mente bondosa é a mente que transforma.”9 O Dr. Gilbert enfatiza a importância de desenvolver a compaixão por si mesmo e de aprender a conhecer e entender os desafios mais difíceis da vida. Observo que, à medida que os pacientes aprendem a demonstrar compaixão por suas próprias dificuldades, eles se tornam mais equipados para mostrar compaixão pelos outros.

A Dra. Kristin Neff, outra psicóloga que estuda a autocompaixão, declarou: “A compaixão é, por definição, relacional. Compaixão significa literalmente ‘sofrer com’, o que implica uma mutualidade básica na experiência do sofrimento”.10 Assim, a compaixão é mais do que simplesmente reconhecer a experiência negativa de uma pessoa e sentir-se mal com isso. Ela implica a capacidade de “sofrer com” um indivíduo que está lutando. Assim como o Dr. Gilbert, a Dra. Neff enfatiza o desenvolvimento da compaixão por si mesmo. A autocompaixão requer disposição e capacidade de desenvolver compaixão e empatia por si mesmo.

Um sinônimo de compaixão é empatia. No início de minha carreira como terapeuta, passei muito tempo aprendendo a refletir as palavras e os sentimentos dos clientes, esperando poder estabelecer o que meu professor chamava de “empatia precisa”. Ainda acho muito gratificante quando um cliente diz: “É exatamente isso que eu quero dizer!”

A compaixão e a empatia exigem um trabalho real. Pode ser difícil entender a si mesmo ou a outra pessoa. É ainda mais difícil lidar com o sofrimento próprio ou alheio. Talvez essa dificuldade seja uma das coisas que nos leva a atravessar para o outro lado do caminho, desejando ajudar, mas encontrando dificuldade em desenvolver a capacidade de lidar com o sofrimento próprio ou alheio. No entanto, a disposição para tentar entender e compartilhar do sofrimento pode ser uma das coisas mais curativas que podemos fazer.

Durante vários anos, minha filha Brittany trabalhou como assistente na Dan Peterson School, uma instituição educacional no Distrito Escolar de Alpine, para crianças com deficiências graves. Essa foi uma ótima oportunidade para Brittany. Ela trabalhava eficazmente com crianças com deficiências físicas e mentais graves, concentrando-se especialmente na população surda e cega. Os administradores, professores, auxiliares, pais e alunos da Dan Peterson School adoravam Brittany. Sua felicidade natural, combinada com sua profunda compaixão pelos alunos, fez dela uma poderosa ajuda para a escola. Britt costumava chorar diante das circunstâncias das crianças com as quais trabalhava. Ela realmente trabalhava para “sofrer com” seus alunos.

Brittany sempre queria que eu visitasse a escola e conhecesse seus alunos. Ela sentia muito orgulho deles e queria que eu interagisse com eles. Nas ocasiões em que tive o privilégio de me encontrar com os alunos de Brittany, fiquei maravilhado com a maneira como Brittany os via, não como pessoas com deficiências, mas como seus amigos, merecedores de um profundo amor e respeito. Certa vez, um menino surdo e cego da classe de Brittany agarrou e puxou seu cabelo – com força! Brittany não conseguiu fazer com que ele largasse seu cabelo e, quando outros assistentes finalmente conseguiram ajudar, ele tinha um tufo do cabelo dela em sua mão. Quando a questionei mais tarde sobre essa experiência, Brittany não sentiu raiva, nem mesmo frustração, com o garoto. “Ele não consegue evitar, pai. Imagine como deve ser o mundo dele”.

Na verdade, eu nunca tinha parado para imaginar como era o mundo dele. Acho que esse era o segredo do sucesso de Brittany na escola. Ela parava para imaginar como era o mundo de seus alunos e, tendo entrado no mundo deles, amava essas crianças com um verdadeiro amor cristão.

Lembrem-se, estamos todos juntos nessa jornada

Alguns dos eventos mais marcantes do Livro de Mórmon são as visões de Leí e Néfi sobre a barra de ferro. Ao estudar o Livro de Mórmon com dedicação, não se pode deixar de sentir o poder das visões e suas aplicações pessoais. Eu me pego perguntando: Onde estou nesse sonho? No campo, no caminho, no prédio, perto da árvore? Na maioria das vezes, imagino-me em algum lugar no caminho, avançando cautelosamente pelas névoas de escuridão enquanto tento continuar segurando a barra de ferro.

Talvez seja assim que muitos de nós nos imaginamos: avançando e tentando encontrar ou segurar a barra de ferro enquanto as dificuldades da vida nos cercam. Embora as visões não sugiram isso, em minha mente vejo pessoas ajudando umas às outras a avançar, segurando-se umas às outras enquanto tentam encontrar o caminho para o amor de Deus representado pelo fruto.

Meu querido amigo, Dr. Gary Weaver, ajudou muitas pessoas a encontrar e não largar da barra de ferro à medida que avançavam no caminho em direção ao amor de Deus. Quando Gary tinha dezoito anos, ele fez uma expedição de sobrevivência de seis semanas na BYU que transformou sua vida. Foi nessa viagem que ele adotou o seguinte lema: “Se eu ajudar os outros, o Senhor me dará tudo o que preciso”. Foi esse lema que guiou sua vida de serviço. Ao longo dos anos, Gary organizou mais de 160 expedições de sobrevivência de uma semana nas áreas de Boulder e Escalante, no sul de Utah. Por meio dessas expedições, ele ajudou mais de 4.000 pessoas a aprenderem mais sobre si mesmas e a fortalecerem seus relacionamentos com o Senhor. A maioria das pessoas que Gary levava para as expedições de sobrevivência era considerada como sendo “um destes meus pequeninos irmãos”, ou seja, pessoas que estavam metaforicamente feridas e à beira do caminho.

Tive o privilégio de acompanhar Gary em uma de suas viagens de sobrevivência com trinta alunos do ensino médio do Distrito Escolar de Nebo. A experiência me tocou profundamente, e ao ver Gary ajudar os jovens a encontrar a cura, encontrei minha própria cura e mais firmeza ao me segurar à barra de ferro. Eu fazia parte de um grupo que tentava encontrar nosso caminho no deserto, em um pântano e em trilhas difíceis. Durante todo o tempo em que caminhávamos, Gary nos incentivou a trabalhar juntos para resolver problemas, ajudar uns aos outros e avançar em direção à nossa meta. À noite, exaustos, passávamos o tempo compartilhando as experiências do dia e escutando enquanto a gaita de boca de Gary nos ajudava a adormecer.

Há mais de vinte anos, quando as políticas e práticas do Distrito de Nebo mudaram, Gary não pôde mais liderar grupos de expedições de sobrevivência. Embora outros terapeutas que Gary havia orientado continuassem a liderar grupos de jovens em situação de vulnerabilidade nessas expedições de sobrevivência, eu estava ansioso para compartilhar a experiência com aqueles que amo. Pedi a Gary que saísse de sua “aposentadoria de sobrevivência” e me ajudasse a liderar um grupo. Ele gentilmente o fez, mesmo tendo sofrido um ataque cardíaco. Vinte e quatro anos depois, tive o privilégio de levar mais de 200 familiares, amigos, colegas, jovens de nossa ala e cada um de meus três filhos em uma aventura de uma semana pelo deserto.

Talvez a parte mais notável de fazer essas expedições de sobrevivência seja observar a ausência de categorização humana – e ver, em vez disso, a paciência e o respeito, bem como a profunda compaixão e empatia que os membros do grupo demonstram uns pelos outros ao longo do caminho. Frequentemente percebo as qualidades cristãs dos membros de nosso grupo de sobrevivência. Embora não seja dito explicitamente, nos grupos há um sentimento de “estamos todos juntos nessa jornada”. Sinto-me humilde ao ver os membros de nosso grupo demonstrando um amor profundo e atencioso uns pelos outros. Sinto-me humilde quando eles carregam os fardos uns dos outros e confortam uns aos outros, enviando a mensagem de que estão juntos nessa vida, de que não estão sozinhos. Eles ajudam uns aos outros a sentir o amor de Deus. Para mim, essa é a essência do serviço cristão.

Conclusão

A Queda de Adão e Eva foi literal no sentido de que sua transgressão os baniu da presença do Senhor. Mas o termo queda tem uma aplicação profundamente ressonante em nossa própria vida, muito além de sermos herdeiros das consequências da queda original de Adão e Eva. Está claro para mim que todos metaforicamente caem do beliche e caem no chão, sem fôlego e esperando que alguém venha ajudar, assim como aconteceu comigo naquela noite, há tantos anos. O tempo passou, mas continuo grato pela lembrança de meu irmão mais velho me levantando, me consolando e me colocando de volta na cama. Reconheço que muitos dos filhos de Deus caem de alturas muito maiores do que a cama de cima do beliche. Mas uma doutrina fundamental e profundamente pessoal da Expiação é que nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo – nosso Irmão Mais Velho – está sempre disposto a nos levantar, secar nossas lágrimas e curar as feridas que recebemos ao viver em um mundo decaído.

O objetivo de meu discurso de hoje é simplesmente este: um dever humilde que temos como discípulos de Cristo é o de sermos Suas mãos para fazer isso acontecer. Podemos estar dispostos a levantar outras pessoas, secar suas lágrimas e até mesmo curar suas feridas. Nas palavras do hino: “Cuidarei do irmão que sofre, sua dor consolarei”.12 É minha convicção sincera que fazer isso não é apenas nosso dever cristão, mas também uma das maiores bênçãos concedidas por um Pai Celestial sábio e amoroso. Em nome de Jesus Cristo, amém. 

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Notas

  1. Lucas 10:31-32.
  2. Gerrit W. Gong, “Lugar na estalagem”, A Liahona, maio de 2021.
  3. Mosias 18:8-9.
  4. Neal A. Maxwell, “Apply the Atoning Blood of Christ” [Aplicar o Sangue Expiatório de Cristo], Ensign, novembro de 1997.
  5. Éter 12:23, 25.
  6. Éter 12:27.
  7. 1 Pedro 3:8-9.
  8. 1 Pedro 3:8; ênfase acrescentada.
  9. Paul A. Gilbert e Choden, Mindful Compassion: How the Science of Compassion Can Help You Understand Your Emotions, Live in the Present, and Connect Deeply with Others [Compaixão consciente: como a ciência da compaixão pode ajudá-lo a entender suas emoções, viver no presente e conectar-se profundamente com os outros] (Oakland, Califórnia: New Harbinger Publications, 2014), p. 300.
  10. Kristin Neff, “Embracing Our Common Humanity with Self-Compassion” [Abraçando nossa humanidade comum com autocompaixão], Self-Compassion, self-compassion.org/embracing-our-common-humanity-with-self-compassion.
  11. Mateus 25:40.
  12. Sim, eu Te seguirei”, Hinos, 2002, nº 134.
Steven A. Smith

Steven A. Smith, diretor executivo dos Serviços de Desenvolvimento Estudantil da BYU, proferiu este discurso no devocional do dia 29 de junho de 2021.